Uma homenagem a VERA KARAM por ZECA KIECHALOSKI
MEMORY
Eu tenho uma péssima memória. Conheci Vera Karam, eu acho, lá pelos idos de 1978, no Teatro de Arena, em um curso de improvisação ministrado pelo Luciano Alabarse. A primeira coisa que me chamou a atenção foram seu sapatos. Eram azuis, de bailarina, com tiras que iam se enroscando pelas panturrilhas até o joelho. Ela os adorava. José Gonçalves, o Gonça, adorava dizer que eram sapatos diabólicos. Depois da primeira catastrófica aula, ofereci carona para levá-la em casa. No trajeto conversamos como se já nos conhecêssemos há muito tempo. Ficamos amigos definitivos naquela noite, já que ao se despedir fui convidado para almoçar no Domingo seguinte.
Eu tenho uma péssima memória. Do grupo de improvisação, que depois viraria “ Grêmio Dramático Açores “, também fazia parte Mauro Soares. Viramos um trio. Fazíamos quase tudo juntos. Ríamos de tudo. Vera tinha um senso de humor incomum. Uma vez quase fomos expulsos do cinema Astor porque tivemos um ataque de riso por causa de uma bobagem acontecida no filme “ A garota do adeus “. Nossas gargalhadas eram sempre fora de hora. Só achávamos graça naquilo que os outros não. De preferência, besteiras. Coisas que nos lembravam outras, que remetiam a outras, e assim por diante. E uma risada engrenava em outra, até pararmos exaustos ou obrigados pelas circunstâncias.
Eu tenho uma péssima memória. Conheci Vera Karam, eu acho, lá pelos idos de 1978, no Teatro de Arena, em um curso de improvisação ministrado pelo Luciano Alabarse. A primeira coisa que me chamou a atenção foram seu sapatos. Eram azuis, de bailarina, com tiras que iam se enroscando pelas panturrilhas até o joelho. Ela os adorava. José Gonçalves, o Gonça, adorava dizer que eram sapatos diabólicos. Depois da primeira catastrófica aula, ofereci carona para levá-la em casa. No trajeto conversamos como se já nos conhecêssemos há muito tempo. Ficamos amigos definitivos naquela noite, já que ao se despedir fui convidado para almoçar no Domingo seguinte.
Eu tenho uma péssima memória. Do grupo de improvisação, que depois viraria “ Grêmio Dramático Açores “, também fazia parte Mauro Soares. Viramos um trio. Fazíamos quase tudo juntos. Ríamos de tudo. Vera tinha um senso de humor incomum. Uma vez quase fomos expulsos do cinema Astor porque tivemos um ataque de riso por causa de uma bobagem acontecida no filme “ A garota do adeus “. Nossas gargalhadas eram sempre fora de hora. Só achávamos graça naquilo que os outros não. De preferência, besteiras. Coisas que nos lembravam outras, que remetiam a outras, e assim por diante. E uma risada engrenava em outra, até pararmos exaustos ou obrigados pelas circunstâncias.
Eu tenho uma péssima memória. Almocei durante anos, todos os domingos, na casa dos Karam, como se dizia na época. Os almoços de Nilo e Margôt eram famosos. Divertidos, opulentos e saborosos. Toca, Lelo e Cau, irmãos da Vera também alimentavam um senso de humor e uma necessidade de conhecimento que eu não conhecia ainda. Lá, fui apresentado a várias coisas que me acompanham até hoje. Escritores malditos, músicos alternativos, artistas desconhecidos, mas, principalmente, um senso de liberdade de expressão único. Falava-se de tudo, na frente de todo mundo, qualquer assunto. Já naquela época, não existiam tabus na casa dos Karam.
Eu tenho uma péssima memória. Vera não. Sua memória era prodigiosa. Quando eu precisava mandar currículo para qualquer trabalho, era ela quem me passava por telefone. Vera dizia sempre que Ter uma memória daquelas não era uma qualidade, e sim uma maldição. Se lembrava até das coisas que não queria. Era de uma inteligência brilhante. Sagaz, irônica, mordaz. Falava de trás para frente. Ficávamos horas vendo como cada palavra soava desta forma. Trocávamos conhecimento. Vera me ensinou a gostar de Arrigo Barnabé. Eu a obriguei a gostar de Elis Regina. Todos os discos da Elis que Vera tinha, fui eu quem deu. Me lembro perfeitamente do dia em que ela, extenuada, confessou que tinha chorado ouvindo Elis cantar “ Cadeira vazia “. Pronto, eu havia arrebanhado mais uma fã. Vera me soterrou de livros de Silvia Plat, até conseguir fazer eu dizer que gostava. E assim foi também com Dóris Lessing ( ela odiava quando eu dizia que Dóris escrevia como homem ), Kurt Vonegutt Júnior, Tenesse Wiliams e tantos outros. Mas, eu tenho uma péssima memória.
Adorávamos São Paulo. Quando Vera morou lá, passeávamos pela Paulista de ponta a ponta, resolvendo os problemas do mundo. Jantávamos fora toda noite, de preferência em cantinas italianas. Uma vez, no “ Orvietto “, sentamos ao lado de Hebe Camargo e da minha ídola Nair Bello. Quase não comemos. Ficamos todo o tempo prestando atenção, para ver se ouvíamos fios de conversa. Certa vez, ao viajar de trem pela Itália, desci em Orvietto, só para tirar uma fotografia na praça da cidade e mandar para ela. Bobagens que só nós entendíamos.
Quando Vera decidiu ser escritora, para mim não foi surpresa. Suas cartas eram literatura. Vera as escrevia com tanto carinho, como fez com seus textos. E, irreversivelmente, à mão. A surpresa foi saber que ela era muito melhor do que eu imaginava. Há uns seis anos atrás, convidei Vera para ir passar um mês comigo em Florianópolis ( ela adorava praia ) em uma casa que eu havia alugado. Adorou o convite, mas disse que não poderia porque não andava se sentindo muito bem e precisava ficar em Porto Alegre fazendo uns exames médicos. A partir daí eu entendi o significado do seu sapato de bailarina. Vera transformou-se, além de uma excelente escritora, em uma dançarina na vida. Às vezes dava belos saltos, em outras ficava quieta em seu solitário solo. E, não raras vezes, brilhava em um “ pas de deux “ com Paulo Albuquerque. Mas, nunca deixou de dançar.
Eu tenho uma péssima memória. Que chato. Agora vou Ter que me concentrar muito para não esquecer de nada do que aconteceu a partir do dia 01 de janeiro de 2003, para lhe contar quando nos encontrarmos novamente. Mas ela merece.
ZECA KIECHALOSKI
Eu tenho uma péssima memória. Vera não. Sua memória era prodigiosa. Quando eu precisava mandar currículo para qualquer trabalho, era ela quem me passava por telefone. Vera dizia sempre que Ter uma memória daquelas não era uma qualidade, e sim uma maldição. Se lembrava até das coisas que não queria. Era de uma inteligência brilhante. Sagaz, irônica, mordaz. Falava de trás para frente. Ficávamos horas vendo como cada palavra soava desta forma. Trocávamos conhecimento. Vera me ensinou a gostar de Arrigo Barnabé. Eu a obriguei a gostar de Elis Regina. Todos os discos da Elis que Vera tinha, fui eu quem deu. Me lembro perfeitamente do dia em que ela, extenuada, confessou que tinha chorado ouvindo Elis cantar “ Cadeira vazia “. Pronto, eu havia arrebanhado mais uma fã. Vera me soterrou de livros de Silvia Plat, até conseguir fazer eu dizer que gostava. E assim foi também com Dóris Lessing ( ela odiava quando eu dizia que Dóris escrevia como homem ), Kurt Vonegutt Júnior, Tenesse Wiliams e tantos outros. Mas, eu tenho uma péssima memória.
Adorávamos São Paulo. Quando Vera morou lá, passeávamos pela Paulista de ponta a ponta, resolvendo os problemas do mundo. Jantávamos fora toda noite, de preferência em cantinas italianas. Uma vez, no “ Orvietto “, sentamos ao lado de Hebe Camargo e da minha ídola Nair Bello. Quase não comemos. Ficamos todo o tempo prestando atenção, para ver se ouvíamos fios de conversa. Certa vez, ao viajar de trem pela Itália, desci em Orvietto, só para tirar uma fotografia na praça da cidade e mandar para ela. Bobagens que só nós entendíamos.
Quando Vera decidiu ser escritora, para mim não foi surpresa. Suas cartas eram literatura. Vera as escrevia com tanto carinho, como fez com seus textos. E, irreversivelmente, à mão. A surpresa foi saber que ela era muito melhor do que eu imaginava. Há uns seis anos atrás, convidei Vera para ir passar um mês comigo em Florianópolis ( ela adorava praia ) em uma casa que eu havia alugado. Adorou o convite, mas disse que não poderia porque não andava se sentindo muito bem e precisava ficar em Porto Alegre fazendo uns exames médicos. A partir daí eu entendi o significado do seu sapato de bailarina. Vera transformou-se, além de uma excelente escritora, em uma dançarina na vida. Às vezes dava belos saltos, em outras ficava quieta em seu solitário solo. E, não raras vezes, brilhava em um “ pas de deux “ com Paulo Albuquerque. Mas, nunca deixou de dançar.
Eu tenho uma péssima memória. Que chato. Agora vou Ter que me concentrar muito para não esquecer de nada do que aconteceu a partir do dia 01 de janeiro de 2003, para lhe contar quando nos encontrarmos novamente. Mas ela merece.
ZECA KIECHALOSKI
que texto bonito, zeca
ResponderExcluirnão conheci a vera. procurei saber dela na web porque uma amiga está montando um texto dela aqui na bahia.
um abraço
sandro lobo