domingo, 20 de fevereiro de 2011

Sessão da Classe apresenta: ÁGUIA DO MAU GOSTO por Marcelo Adams

"Ao falarmos de sucesso em teatro, imediatamente nos ocorre a ideia de salas cheias, de preferência com gente implorando na bilheteria para entrar, ao que o bilheteiro responde, irredutível, que os ingressos já estão esgotados, mas que podem ser adquiridas entradas para a próxima semana.

Quando pensamos em sucesso, dificilmente desatrelamos esse conceito do desejo de grande afluência de espectadores, e com toda a razão. Afinal, o sentido último das artes cênicas é ser visto por pessoas; nosso trabalho, como artistas do palco, é feito para o deleite de outros (ainda que o prazer de quem atua seja, muitas vezes, superior ao de quem está sentado na plateia). A ideia de Grotowski de que teatro se faz com um ator e um espectador é bonita, mas muito mais simbólica do que prática: teatro funciona melhor quando há uma massa a nos assistir.

Como resposta à dificuldade cada vez maior de colocarmos pessoas nos teatros, nos agarramos a outra possibilidade de significação da palavra sucesso: agora, temos o sucesso artístico, que finge prescindir de um grande número de espectadores, com a desculpa de que teatro é elitista, e de que não ser contemplado com plateias cheias é sinal de um trabalho sério, que “não se vendeu ao mercado”. “A peça não teve público, mas foi um êxito, os críticos adoraram”. Como se tivéssemos críticos, como se o que eles escrevem tivesse alguma relevância como discussão, como se quem publica meia dúzia de frases em blogs sobre um espetáculo pudesse ser qualificado como especialista em teatro.

Na realidade, a ideia de um teatro popular é tão rara, que não deveria ser colocada como objetivo principal. O teatro é, sim, elitista. Aos que lembrarem do teatro grego clássico, não esqueçam que a ida aos anfiteatros era obrigatória para os cidadãos, pois as apresentações de tragédias e comédias áticas eram muito mais um evento religioso, cívico e didático do que artístico. As moralidades e mistérios medievais eram apresentadas em praças e feiras, portanto sem cobrar ingresso (e como prega a velha blague, “de graça até injeção na testa”). Uma possibilidade de teatro popular pode ser atribuída ao teatro elizabetano dos séculos XVI e XVII, onde nobres e plebeus dividiam o mesmo espaço para prestigiar os espetáculos, dividindo sua atenção, em dias alternados, entre tragédias shakespereanas e farras com direito a assassinatos de ursos, uma delicada herança das arenas romanas.

O que nos resta, no século XXI, ainda com a utopia do sucesso a nos morder os calcanhares, é entendermos que ele não é domesticado e tem movimentos inesperados. Nem mesmo as peças com temáticas que envolvam sexo e relacionamentos afetivos homem-mulher, que pareciam imbatíveis, resultam sempre em sucesso de bilheteria. Somos Sísifos, empurrando morro acima a pedra das dificuldades de manutenção de nossa arte, e quando imaginamos estar ela bem assentada lá no alto, lá vem ela rolando até a base, e nos obrigando a reavaliar, repensar, reestruturar, remendar, regurgitar nossas ideias. Também somos Prometeus, amarrados ao penhasco e recebendo diariamente as bicadas da águia do mau gosto do público, que prefere televisão e futebol e que não entende qual é a graça de ficar assistindo, por uma hora, algumas pessoas falando e se movimentando sobre um piso de madeira."

Marcelo Adams - Ator, diretor teatral, dramaturgo, e professor na área de artes cênicas. Fundador da Cia. de Teatro ao Quadrado, de Porto Alegre.

8 comentários:

  1. Muito bom, muito bem escrito. Parabéns.

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  2. "Excelente comentário, Marcelo. Principalmente em relação à crítica. Quem faz, melhor fala. É o seu caso. Porém, há quem critique as peças com bagagem pescada no Google e assumida como sua, apenas por ter uma boa oratória (ou, também, a habilidade de fazer uma boa colagem de textos alheios, que se vc espremer não acha onde está o sujeito que escreve...isso seria o jeitinho brasileiro se passando por erudição?)"
    Camilo de Lélis.

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  3. Texto medíocre.

    Não creio que sucesso em teatro esteja apenas relacionado a plateias cheias,pelamordedeus! Existem espetáculos com qualidade de trabalho de atores, diretor e técnica que não causam furor da multidão imploraaaaaaaaaaaaaaaaando, talvez por não se enquadrarem no modo teatro "rentável" feito pela maioria, ou tão somente tratar de grupos iniciantes (e mais humildes).
    Para assistir a um espetáculo de teatro televisivo, no qual realmente temos "algumas pessoas falando e se movimentando sobre um piso de madeira", prefiro permanecer em meu sofá, assistindo a um filme. Posso "stopar" quando me der na telha, sem pagar por nada (hoje em dia baixo uma caralhada de filmes bons no pc, e complemento a sessão com cerveja e amendoim).
    Por favor, ATORES SEMIDEUSES,NÃO SUBESTIMEM AS "ÁGUIAS DE MAU GOSTO". VOCÊS NÃO VIVEM SEM SEUS FÍGADOS.

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  4. Desde que o mundo é mundo, qualquer coisa tem uma razão de ser. Que eu saiba, dentistas existem porque existem dentes. Médicos existem porque existem pessoas, filósofos existem porque existe a vida, consequentemente, teatro existe porque existe... um público, estou errada? Ou agora se faz teatro em frente ao espelho?

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  5. Obviamente sucesso em teatro não é sinônimo de plateias cheias. Se assim fosse, o teatro atual de Porto Alegre seria um grande fracasso, porque temos sim falta de espectadores, e isso é um fato inegável, felizmente contrabalançado por algumas exceções. E, felizmente também, não pertenço à categoria de pessoas como o "Anônimo", que se contentam com a masturbação intelectual e os desejos frustrados de reconhecimento de genialidade, que descambam para o desprezo ao alcance social e artístico que o teatro pode ter. Como eu mesmo já escrevi, finge-se que o público não importa, satisfazendo-se com o concordar de cabeça de artistas "como nós", e que depois vão para os bares encher a cara de cerveja e falar mal dos "teatreiros vendidos". Sinto podar os sonhos, mas gênios das artes cênicas, que revolucionam a linguagem, surgem poucas vezes ao longo dos séculos. A grande massa de artistas de teatro passa a vida tentando, dignamente, contribuir para a permanência dessa arte, em um mundo onde as pessoas baixam "uma caralhada de filmes bons no pc", e complementam "a sessão com cerveja e amendoim". Esse tipo de público não é o que eu quero nos meus espetáculos, e nem aquele que os artistas de Porto Alegre deveriam desejar.

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  6. "Agora, vejam bem, chamar de medíocre o texto de M.A., o qual, justamente por sua coragem de questionar o gosto e a mentalidade do público, está acima da média é, no mínimo, um sintoma de ressentimento...aprecio pessoas que assumem sua opinião, mas, se alguém tem preferência por 'caralhadas'...nada contra, gosto não se discute."

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  7. Como se desse de comparar cinema e teatro. Linguagens deiferentes, assim como são diferentes da TV... Enfim... E pra mim, gostar de "caralhadas" é o mesmo que gostar de "porcarias enlatadas" logo...
    Mas a grande pergunta que me fica disso tudo é: Se uma peça de teatro é um produto, e que portanto pode vir a ser vendido, e se eu preciso de alguém que compre este produto neste caso o público, por que então não fazer algo que seja artísticamente correto e burramente agradável ao público e assim chegar ao equilíbrio perfeito, e conseguir, sem mágoas e decepções, viver da minha arte sem traí-la? Os críticos, de coração, quero que se explodam. Os colegas de classe se não gostarem do meu trabalho, só me resta lamentar. Pois, enquanto eu tiver o meu público, o meu amado público, comprando a minha peça e aplaudindo no final, e quem sabe (sonho) voltando na próxima seção, estarei feliz, realizado e obtendo sucesso naquilo que escolhi para chamar de profissão: ser ator.

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